O TRABALHO INFANTIL NA PRODUÇÃO DE CACAU

AA ação judicial coletiva federal apresentada pelo grupo de defesa de direitos humanos IRAdvocates (International Rights Advocates) durante o passado mês de fevereiro, fez renascer o tema do tráfico e exploração de trabalho infantil nos setores do cacau da África Ocidental.

Oito cidadãos do Mali, com idades inferiores a 17 anos, alegam terem sido traficados e forçados a colher cacau na Costa do Marfim e processaram empresas como a Nestlé, a Cargill e a Mars, entre outras, pela sua participação como beneficiárias da venda de cacau a baixo custo.

O caso está pendente e o resultado esperado pelo IRAdvocates poderá não acontecer se tiver o mesmo desfecho que o do processo por eles apresentado, no ano passado, dessa vez contra a Nestlé e a Cargill, em nome de seis outras crianças, com as mesmas alegações. O Supremo Tribunal americano decidiu, recentemente, que, relativamente a este último caso, não havia fundamento para processar as duas gigantes do setor alimentar, já que o abuso aconteceu fora dos EUA. Na decisão, redigida pelo ministro Clarence Thomas, o tribunal determinou que, embora a Nestlé e a Cargill fornecessem recursos técnicos e financeiros às fazendas de cacau, não havia evidências de que as decisões empresariais tomadas nos Estados Unidos levassem ao trabalho forçado dos trabalhadores. Ficou em aberto uma decisão definitiva sobre a possível utilização do Alien Tort Act – uma lei do século 18 – para responsabilizar as empresas americanas por abusos trabalhistas cometidos nas suas cadeias abastecimento exterior.



Quando em 2010, empresas como a Mars, a Hershey, a Nestlé e a Cargill concordaram com o prazo de 10 anos para a redução, em 70 por cento, do recurso a mão-de-obra infantil nos setores do cacau no Gana e na Costa do Marfim, já tinham passado nove anos desde a assinatura de um acordo intersetorial que tinha como objetivo eliminar o trabalho infantil. Apesar de não terem cumprido os prazos para cumprir o acordo em 2005, 2008 e 2010, qualquer das empresas insiste que o trabalho infantil não tem lugar nas suas cadeias de abastecimento e que contam com mecanismos de monitorização e correção que colocam esta prática ilegal como uma das suas principais preocupações.

20 anos depois do compromisso, a verdade é que o trabalho infantil não só continua presente como aumenta, estimando-se que 1,5 milhões, perto de 45 por cento de todas as crianças com idades entre os 5 e os 17 anos, nas regiões de cultivo de cacau do Gana e da Costa do Marfim, utilizam ferramentas perigosas, trabalham demasiadas horas, incluindo à noite, e estão expostas a produtos agroquímicos.

Estes trabalhadores serão, ainda, mantidos sob guarda armada enquanto dormem, para evitar que fujam, e recebem pouco mais do que a alimentação básica. Curiosamente, o aumento da exploração de mão-de-obra infantil no setor coincide com um crescimento de mais de 60 por cento da produção de cacau nestes dois países.



Embora ainda não haja dados oficiais sobre a influência da pandemia que o mundo atravessa no aumento do trabalho infantil, o fecho das escolas nos países da África Ocidental e a reconhecida pobreza na África rural poderá, muito provavelmente, fazer aumentar o número de crianças a trabalhar no setor do cacau para ajudar no sustento das famílias. Situações como a atual mostram que a criação de oportunidades para as comunidades produtoras de cacau não deve passar exclusivamente pela criação de escolas como forma de reduzir a incidência do trabalho infantil mas também pela não “contratação” de crianças, entre outros, que se reflitam na progressão de forma sustentada da luta contra este problema sério e complexo.

Independentemente de haver culpados maiores e menores, a verdade é que se fizermos parte desta cadeia, seja como produtores ou como consumidores de produtos que contenham cacau, pactuamos com a privação da infância, do potencial e da dignidade das crianças, prejudicando o seu desenvolvimento físico e mental. Com as devidas diferenças e com impactos obviamente diferentes, a verdade é que todos podemos contribuir para a transformação da sociedade se tão só dermos o primeiro passo, e o passo que está ao nosso alcance, no sentido da resolução do problema.

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