Um humor sui generis com assinatura made in Angola, livre de tabus e recheado de autenticidade e genialidade, leva-nos a Tiago Costa, fundador da produtora de Stand Up Comedy, GOZ’AQUI.
Numa entrevista informal, desvendamos o “véu” do segredo deste caso de sucesso, onde a mestria da oratória, sai vencedora.
Como foi a sua transição de formação em Direito para se tornar um comediante e produtor satírico?
Foi natural. Eu não me formei em Direito porque era o meu sonho ser advogado, mas sim porque, como qualquer filho de pai africano com privilégio, a formação não seria mais do que a minha obrigação. A escolha do curso foi um belo acaso. Talvez o melhor acaso que me poderia ter ocorrido. Direito é um curso muito completo para quem gosta de explorar as liberdades, entender os direitos e cumprir – mesmo que questionando – obrigações. Portanto, não houve uma transição.
Houve uma missão que tinha de ser cumprida e após (e durante) essa etapa, surgiu o humor e a paixão pela desconstrução de narrativas, essencialmente políticas.
No seu trabalho como humorista, o que o inspira e quais são os principais temas que aborda nas suas performances de Stand Up Comedy?
O que mais me inspira são os outros. Observar a forma como as dificuldades são ultrapassadas por sujeitos sem condições entusiasma-me bastante. Inspira-me a política, no geral e as políticas sociais, em particular (ou a ausência delas), embora os políticos tenham vindo a deixar-me céptico em relação a essa paixão. Inspiram-me as pessoas e é essencialmente nelas que residem as minhas performances.
A dicotomia “homem vs mulher” também está muito presente nos meus textos, apresentando-me quase sempre como defensor do sexo oposto.
Como fundador do GOZ’AQUi, conte-nos sobre a criação e evolução deste projecto? Qual é a importância de ter um espaço dedicado ao humor em Angola?
© Imagem cedida
A criação do GOZ’A’QUi surgiu de uma oportunidade e de uma necessidade. Havia a oportunidade de se criar um evento para um dia específico da semana, num bar local (Floresta Lounge). E havia a necessidade de se encontrar um lugar específico para os humoristas locais. Assim sendo, criámos uma marca “GLOcal” (global, porém, local; estática, porém, móvel) que pudesse servir aquele momento e ter continuidade, principalmente por se tratar de um segmento da indústria cultural que tinha pernas para andar.
Como equilibra as suas várias facetas profissionais, desde comediante até a consultoria de comunicação?
Eu não equilibro. E penso ser este o meu equilíbrio. Eu comecei a fazer humor, a escrever e a fazer comédia precisamente para combater o quotidiano. O drama diário é bastante. Profissionalizar o humor foi uma escolha natural para manter a sanidade mental. Todas as minhas facetas profissionais são ligadas à comunicação. E eu sou uma pessoa bem-disposta por natureza. Tudo o resto é só o profissionalismo e a forma como eu quero ser visto/conhecido pelos outros (quer sejam clientes, quer seja a audiência). E também varia muito de cliente para cliente e de produto para produto, pois algumas vezes, a faceta de humorista é precisamente o que leva o cliente a querer contratar os serviços de consultoria de comunicação e imagem.
Qual é a sua visão sobre a interligação entre comunicação e imagem na sua área de actuação?
Eu acho muito importante, porque hoje em dia nós somos muito aquilo que as pessoas vêm, muito antes delas terem a chance de saberem de facto aquilo que nós somos.
A célebre frase: “uma imagem vale mais que mil palavra” nunca foi tão real quanto actualmente, onde o digital, ou seja, o áudio e o visual, ocupam mais de 70% das nossas 24 horas. E precisamente por vivermos tempos em que a quantidade de conteúdos publicados é superior à nossa capacidade de assimilação, a imagem e a comunicação são essências para a distinção dos serviços/produtos.
Como avalia o papel da comédia na promoção de debates construtivos e na conscientização das questões sociais?
Penso que a comédia é a melhor ferramenta para a quebra de tabus em qualquer sociedade. A leveza que a comédia traz ao debate público sobre determinados temas sensíveis é o equilíbrio certo para se começar a construir o argumento para determinados problemas e consequentemente soluções referentes ao presente e futuro do nosso País.
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A consciencialização social é e sempre será algo inerente à arte do humor. Umas vezes mais, outras vezes menos evidente.
Pode compartilhar algumas dicas para aqueles que desejam ingressar no mundo da comédia?
Para quem quiser ingressar no humor, aconselho formação. Quer em língua portuguesa; quer em escrita criativa; pensamento crítico; em humor (stand up comedy, ou teatro para, quem quiser seguir comédia na sua essência).
Depois, ou durante isso, é importante ter em mente que o psicológico do humorista deve ser constantemente trabalhado. Falhar é a nossa missão, na medida em que o nosso papel é desconstruir realidades dadas como “certas”. Uma vez isso bem percebido, errar passa a ser normal, até percebermos, durante o processo (respeitar o processo é essencial), que quanto “melhor” errarmos, melhor acertamos na piada.
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Considera-se o número um dos humoristas angolanos? Justifique.
Não me considero o n⁰ 1 dos humoristas angolanos. Considero-me único no meio dos humoristas angolanos, porque sempre fiz um trabalho diferenciado. A verdade é que, tirando um ou outro humorista mais preguiçoso, de um modo geral, todos os humoristas são únicos. Uns, mais do que outros, por diversas razões. Mas não existe um humorista n⁰ 1 em Angola. Existem humoristas e existem momentos. E existe o processo. Se respeitares o processo, vais perceber que tu também podes ter o teu momento enquanto humorista. Nós somos mais de 30 milhões em Angola. E nós não somos 300 humoristas registados. Vou considerar um n⁰ 1, quando de Cabinda ao Cunene tivermos a capacidade de afixar as actas depois de um acto eleitoral.
Como empresário e humorista, quais são os seus planos futuros?
Como empresário, quero continuar a promover o humor local e tornar a minha marca uma referência internacional, com valores transparentes, reais, sociais e humanos. Quero continuar convencido de que o GOZ’AQUi é um lugar livre de tabus, sejam quais forem. “TODA A GENTE PODE DIZER O QUE QUER, DA MESMA FORMA QUE TODA A GENTE PODE OUVIR O QUE NÃO QUER”. Quero ajudar o máximo de talentos e quero capitalizar muito com isso porque estou convencido de que juntos somos mais fortes.
Enquanto humorista, gostaria de ter um empresário como eu, porque vou continuar a trabalhar, só ficam a faltar as oportunidades!
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