AA revista Baiga já há muito que é fã das conversas despojadas plenas de genialidade que só o site Entre | Vistas pode contemplar. Por estes motivos e mais alguns, acabámos de fechar uma parceria de “peso”, onde o intercâmbio cultural promete unir ainda mais Angola e Portugal.
Aqui falamos com Paula Perfeito, a fundadora e gestora do Entre | Vistas, para ficarmos a conhecer os pressupostos e o propósito desta parceria que agora se inicia.
Como surgiu o desejo de iniciar o projeto Entre | Vistas?
O Entre | Vistas foi desenhado de raiz em 2014 e lançado no dia 22 de novembro desse ano com o propósito de criar uma comunidade em torno da comunicação e da cultura e assente em três ideias fundadoras: 1) um compromisso maior, fora do âmbito profissional e num exercício de cidadania cultural, com uma escrita mais livre, criativa, desempoeirada; 2) uma vontade de escutar e dar voz, pela pergunta, a personalidades líderes, desassossegadas, inquietantes, inquietadas, com valor e valores, para a construção de um mosaico de saberes humanistas; 3) e uma resposta ativa e consciente a um líder inquestionável, o Papa Francisco, que incita desde a primeira hora do seu pontificado à promoção de uma presença obrigatória e responsável na Internet, veículo que considera ser – sim, é isso mesmo – um «dom de Deus».
De onde vem a sua motivação diária?
Aprender, aprender, aprender. Interagir com pessoas extraordinárias, que ampliem a minha forma de ver. E impactar a vida dos outros através da comunicação e da cultura, num humilde, mas muitíssimo recompensador, exercício de cidadania cultural. Parece pouco? Mas não é.
No Entre | Vistas, dou voz a pessoas e ideias em que os olhos podem demorar-se e ficar, com assombro e espanto, se for esse o caso, contrariando o tempo que nos calhou em vida, de olhares breves e de atos de uma comunicação que nem sempre escuta. E quando os leitores me dão feedback sobre como aquele entrevistado os inspirou ou como aquela recomendação de um livro lhes fez toda a diferença ou, ainda, como numa viagem o que puderam ler no site influenciou diretamente e para melhor o resultado final da sua própria experiência… sinto-me muitíssimo feliz, como será de esperar. E também, sempre, claro, com uma responsabilidade acrescida. Os méritos e os elogios devem trazer a reboque uma dose consciente de responsabilidade…
Após 7 anos de existência, qual o balanço?
Em sete anos, e em sete categorias ancoradas no ato de ver, foram publicadas centenas de conteúdos para a divulgação de livros, destinos de dentro e de fora de portas, eventos e projetos culturais icónicos, formatos de consumo dos media que impactam a nossa forma de ver o mundo e de nos relacionarmos.
Mais de 60 entrevistas para a partilha, numa iniciativa de role model, de modos de ver de pessoas extraordinárias, numa perspetiva multidisciplinar. Nas redes sociais onde está, Facebook, Instagram e YouTube, o Entre | Vistas tem vindo diariamente a interagir com uma comunidade de milhares de seguidores. No arranque da pandemia, em março de 2020, fui desafiada pela prestigiada escritora Ana Margarida de Carvalho para ser parceira do Bode Inspiratório, o projeto de resistência coletiva anti-COVID que juntou num folhetim 46 escritores, 46 artistas plásticos e 46 ilustradores, com tradução em seis idiomas. O Bode Inspiratório, que permitiu ao Entre | Vistas crescer 500% na amplitude e diversidade geográfica, etária e cultural de públicos, continua hoje a dar que falar, quer em presença em meios de comunicação no país e no mundo, quer em encontros literários do Brasil e ao Japão. Pela parceria criada com o Bode Inspiratório, levei o Entre | Vistas este ano a um dos mais conceituados encontros culturais, o FOLIO, em Óbidos.
Qual é o seu objetivo com a marca, daqui para frente?
Crescer em qualidade e em quantidade, dado que assumir a missão de transmitir valores culturais pressupõe legitimamente que se possa construir uma comunidade ampla, plural, diversa.
Ícone mundial que tenha entrevistado e que se orgulha, até hoje?
Todas as entrevistas têm, para mim, um lugar singular. Se me fala num «ícone mundial», lembro-me imediatamente da entrevista feita à Rosa Montero, aclamada escritora espanhola, autora de um livro charneira na vida de qualquer leitor (o primeiro que retratei no Entre | Vistas): A Louca da Casa. A conversa com a Rosa foi deliciosa e determinou a forma como olho para a memória, peça fundamental do seu livro e levada, claro, para a entrevista. Tenho também a sorte de ter já entrevistado dois dos maiores especialistas mundiais na vida e obra da brasileira Clarice Lispector: Carlos Mendes de Sousa e Nádia Battella Gotlib. Sem eles, o meu entendimento (e, admito, também o dos leitores do Entre | Vistas) sobre esse furacão da literatura que é Clarice, seria incomparavelmente menor. Ao lê-los, fico com uma ideia concreta do que seria poder falar, poder estar, com Clarice.
Quais os valores pessoais que não abre mão e quer disseminar na cultura?
Os valores que para mim são inegociáveis e que procuro decalcar no Entre | Vistas desde o momento embrionário: verdade, fiabilidade, rigor, transparência, diversidade. Nestes valores, assenta o compromisso que tenho com os leitores. E um compromisso não se quebra!
O site Entre | Vistas tem um perfil-padrão das pessoas que são entrevistadas? Se sim, especifique.
Pessoas com valor e valores. Desassossegadas, inquietantes. E com histórias de vida, trajetos profissionais e domínio de disciplinas que constituam uma fonte de inspiração e uma oportunidade prática para a consolidação de valores, o debate de ideias e a hierarquia de conhecimentos.
De que forma o Entre | Vistas pode impactar o mundo, as pessoas e o meio ambiente?
Pela escolha criteriosa e coerente dos seus conteúdos, dos temas focados, dos entrevistados, dos valores transmitidos. Pelo (bom) exemplo.
Como define a sustentabilidade?
Sustentabilidade, do meu ponto de vista, é desde logo o que faço no Entre | Vistas: um exercício de cidadania, de relação com o outro. A sustentabilidade, de que agora tanto se fala e que o contexto pandémico tornou ainda mais relevante, é um tema de médio e longo prazos, devendo ser encarado como um compromisso e uma preocupação intergeracionais.
Vem do legado que os meus antepassados me deixaram e estará naquele que eu deixarei aos meus filhos, daí a pertinência, senão a urgência, de uma cidadania ativa, do sentido de responsabilidade sobre o impacto das nossas ações e palavras no outro. A sustentabilidade aloja nela própria as vertentes ambiental, mas também social e económica. É uma visão de conjunto, a propósito de uma casa que é comum, mais uma vez na aceção do Papa Francisco, e com implicações de ponta a ponta na cadeia de valor que é a vida.
Enquanto mulher, como gere a vida pessoal com a vida profissional?
Com um enorme foco e equilíbrio. Tranquilidade. Muita paixão. E procurando nunca perder a noção das prioridades, o norte sobre o essencial, o verdadeiro fio condutor, o propósito, os sonhos. Se não perdermos de vista o propósito, os sonhos e os valores, não temos como nos perder (mesmo no meio do caos).
Quem gostaria de entrevistar nos países da Lusofonia que ainda não conseguiu?
Tantas pessoas com tanto valor, desde logo de Angola: Ana Paula Tavares, de quem fui aluna na faculdade, ou Djaimilia Pereira de Almeida, José Eduardo Agualusa ou Ondjaki, sobre os quais já escrevi. Mas também de outras latitudes, como Luís Cardoso de Noronha, de Timor-Leste; Cremilda Medina ou Lura, de Cabo Verde; Mia Couto ou Paulina Chiziane, de Moçambique; Chico Buarque, Maria Bethânia, Marília Gabriela no Brasil. Chegam? Poderia referir-me a tantos outros…
Como vê o projeto Entre | Vistas daqui a 7 anos?
Daqui a 7, não sei. Nunca gostei desse exercício de longuíssimo prazo. Se me perguntar como o vejo daqui a um ano, aí sim, dir-lhe-ei que sei. E que será surpresa!
Qual legado quer deixar com a sua marca?
Uma marca de qualidade e credibilidade na transmissão de valores.
Pensa em expandir esta Plataforma para outras áreas da Comunicação, como por exemplo um Projeto de TV?
Como é que se diz? Que o céu é o limite, não é?…
Quais são as expectativas da parceria com a Revista Baiga?
São enormes! Com esta colaboração, anseio por um alinhamento de esforços num entendimento partilhado sobre a valorização da língua portuguesa como ferramenta fundamental para o diálogo cultural, a interdisciplinaridade, o acesso à informação escrutinada para a construção de conhecimentos de âmbito lusófono.
Partindo de uma visão comum sobre a importância da cultura lusófona e com o mesmo objetivo de dar a conhecer projetos de referência e relevo, o Entre | Vistas e a Baiga Magazine propõem-se divulgar de forma conjunta obras de qualidade, seus autores e contextos artísticos, junto dos públicos de Portugal e Angola, países em que ambas as publicações são desenvolvidas, e de todos os países ligados pela lusofonia. Falamos de, em síntese, construir pontes para, através da cultura, ligar comunidades locais com propósitos globais. E isto não é pouco…
Como caracteriza a cultura em Angola?
Não estive em Angola. Mas como quando lemos um livro sobre o qual ainda não vimos o filme, tenho na imaginação enriquecida por pessoas e referências encantadoras a marca sensorial indiscutível: as paletas de cores, os cheiros intensos, os sons das palavras dos escritores (que imagino pronunciadas), a música e a dança ritmada como ritual de integração na comunidade. A quizomba, o kuduro e os outros ritmos que me chegam pela rádio e que o ouvido não estranha: semba, rebita, cabetula, quilapanga, zouk… Parece ter outro tempo o tempo que dali vem.
Quais as referências culturais literárias que tem em Angola?
Precisamente aquelas de que já falei atrás: Ana Paula Tavares, que foi minha professora de Língua Portuguesa na Universidade Católica Portuguesa. Djaimilia Pereira de Almeida, de quem li A Visão das Plantas. José Eduardo Agualusa, com quem um dia me cruzei na Feira do Livro de Lisboa e a quem corajosamente pedi para tirar uma foto, que guardo. Dele li vários: Barroco Tropical, O Vendedor de Passados, Teoria Geral do Esquecimento, Os Vivos e os Outros. De Ondjaki li A Bicicleta que Tinha Bigodes e Os da minha rua. Em todos há um pensamento crítico muito apurado, uma consciência artística intensa, um olhar que escrutina e que nos motiva como leitores a querer intervir, fazer parte de uma mudança. E isso só acontece na boa (muito boa) literatura.
Tem algum escritor angolano que gostaria de entrevistar? Por qual motivo?
Sim, o Agualusa. Palavras para quê?
Uma frase aspiracional que se identifique?
Um pensamento de Clarice Lispector que me guia: «Devemos ser suficientemente ousados para arriscar e suficientemente humildes para uma permanente atitude de aprendizagem».
O Entre | Vistas é…
O Entre | Vistas consiste nas perguntas que somos e parte do entendimento, na linha de José Tolentino Mendonça, de que é na pergunta, mais do que na resposta, que estamos mais perto do sentido das coisas. E das coisas com sentido.
Revista Baiga é…
Uma publicação digital vocacionada para a sustentabilidade e os direitos humanos. Desconstruindo: como agora se diz (e que nem sempre, ao contrário deste caso concreto, assenta como uma luva), uma revista de pessoas para pessoas. Com alma. E com a admirável vontade de mudar o mundo.
CCom mais de década e meia no setor das comunicações e um estágio remunerado em televisão como prémio para o melhor aluno de Comunicação Social da Universidade Católica Portuguesa (2004), é profissional de comunicação, com competências de comunicação institucional, reputacional e de produto, media relations e marketing intelligence. Com um dos mais prestigiados mestrados em Ciências da Comunicação, no âmbito do qual defendeu também na Universidade Católica Portuguesa uma dissertação sobre o centro comercial como mass media (2008), tem vindo ao longo de mais de uma década e meia de experiência profissional a consolidar uma visão estratégica, know-how e valências de comunicação numa das empresas mais relevantes para a economia do país, na qual tem assumido diferentes funções de gestão de projetos e equipas. É fundadora e gestora do Entre | Vistas (entre-vistas.pt), site de comunicação e cultura que lançou em 2014. É, desde 2016, board member da PWN Lisbon (pwnlisbon.net), organização especializada em liderança e diversidade, na qual assume a responsabilidade das áreas de comunicação e eventos. Dinamiza projetos de locução, coordena e assegura a moderação de debates, sendo autora do fórum de reflexão multidisciplinar sobre liderança e talento “Conversas do Avesso”.
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