Carne: hábito, sim ou não?

OO debate público tem sido acérrimo à volta do consumo de carne e o seu impacto ambiental e não podíamos deixar de mergulhar mais nesta questão com a colaboração de Lara Pereira da Silva, que nos confirma que perante factos não há argumentos.

“A pecuária e tudo o que a envolve é responsável por pelo menos 32 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, o que equivale a mais de 50% de todas as emissões de gases poluentes para a atmosfera”

A pecuária e o ambiente

A agricultura é um dos setores económicos mais relevantes do mundo, empregando mais de 26% de todos os trabalhadores a nível mundial, sem contar com todos os que trabalham nas cadeias de abastecimento de todas as áreas de negócio que dela dependem.

Segundo a Organização das Nações Unidas, a pecuária representa cerca de 40% do valor global da produção agrícola e apoia a subsistência e a segurança alimentar de quase 1,3 mil milhões de pessoas. No entanto, esta área é responsável por inúmeros danos que vão muito além da exploração animal: entre os quais se destacam o consumo de recursos naturais e estragos ambientais em escala estratosférica.

Emissões de gases

Já em 2006, dados oficiais da ONU revelavam que a pecuária provoca a emissão de gases em quantidade superior a todo o setor de transportes em conjunto.

A pecuária e tudo o que a envolve é responsável por pelo menos 32 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, o que equivale a mais de 50% de todas as emissões de gases poluentes para a atmosfera, e ainda por cerca de  65% de todas as emissões de dióxido de azoto – outro gás muito poluente da atmosfera, com quase 300 vezes o potencial de aquecimento global do dióxido de carbono, e que permanece na atmosfera por 150 anos.

Até mesmo o metano expelido pelos ruminantes tem mais impacto nas alterações climáticas do que se imagina, já que o seu potencial de aquecimento global é 86 vezes superior ao dióxido de carbono.

Se multiplicarmos 1,5 biliões de vacas no mundo, pelos 250 a 500 litros de metano produzido por vaca, por dia, ganhamos consciência do impacto ambiental causado.



Uso da água

 “Segundo algumas estimativas a agricultura é responsável por cerca de 70% do consumo de água no planeta”

Outro grande problema causado pela indústria agropecuária é o elevado consumo de água, tanto para cultivo de “plantas” para utilização na alimentação animal quanto para a hidratação dos animais.

Um estudo levado a cabo em 2010, sobre as pegadas hídricas da carne estimou que, embora os vegetais tenham uma pegada de cerca de 322 litros por kg e as frutas bebessem 962 litros por kg, a carne tinha muito mais sede: o frango rondava o consumo de 4325 l / kg, o porco consumia cerca de 5988 l / kg, a carne de ovino / caprino subia aos 8763 l / kg e a carne bovina rebentava a escala com o consumo de 15415 l / kg.

Tendo em conta que a água é um recurso limitado, se pensarmos que segundo algumas estimativas a agricultura é responsável por cerca de 70% do consumo de água no planeta e que 92% de nossa água doce é utilizada na agricultura, sendo um terço desta percentagem consumida em produtos de origem animal, não seria de nos questionarmos sobre a necessidade da sua utilização?

Carne: hábito, sim ou não?
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Uso da terra

A pecuária é o maior utilizador de recursos terrestres do planeta.

80% de todas as terras agrícolas são utilizadas para pastagens e para produção de ração para alimentação animal.

As culturas de ração são cultivadas em um terço da área total de cultivo, enquanto a área total de terra ocupada por pastagens é equivalente a 26% da superfície terrestre livre de gelo.

A produção de alimentos vegetais exige muito menos espaço de terra do que a produção de alimentos de origem animal.

Por exemplo, num hectare de terra é possível plantar 42 mil a 50 mil pés de tomate mas só se consegue produzir alimento para cerca de 82 quilogramas de carne bovina, por ano.



Contaminação da água

“Uma exploração agrícola com 2,5 mil vacas leiteiras produz a mesma quantidade de resíduos que uma cidade com 400 mil pessoas”

A agricultura contribui para a poluição da água de várias maneiras: algumas delas estão mais associadas à agricultura arável e outras à pecuária, mas vale a pena lembrar que, atualmente, um terço dos grãos produzidos no mundo é dado aos animais.

O crescimento e a intensificação do setor pecuário, comparativamente com a produção agrícola, tem sérias implicações para a qualidade da água.

Os tipos de poluição da água incluem: nutrientes (azoto e fósforo de fertilizantes e excrementos de animais); pesticidas; matérias orgânicas (onde se incluem os excrementos de gado); bactérias e outros elementos patogénicos (E. coli, entre outros); metais (como por exemplo o selénio) e outros poluentes (resíduos de medicamentos, hormonas e aditivos para rações).

Uma exploração agrícola com 2,5 mil vacas leiteiras produz a mesma quantidade de resíduos que uma cidade com 400 mil pessoas.

A cada minuto, toneladas de excremento são produzidas por animais criados para o abate e esses resíduos são despejados na água.

Carne: hábito, sim ou não? - UNSPLASH FOTOS
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Fome

Em escala mundial, as vacas bebem 45 mil milhões de litros de água e comem 61,2 mil milhões de quilos de comida por dia. Alimentos que poderiam retirar milhões de pessoas da fome são utilizados para alimentar gado.”

Pelo menos 50% dos grãos que são produzidos vão para alimentar o gado. Os EUA poderiam alimentar 800 milhões de pessoas com grãos que o gado consome. Dá pra mensurar o que isso significa? 80% das crianças famintas vivem em países onde os alimentos são administrados aos animais, e os animais são comidos por países ocidentais.

A indústria agropecuária reflete diretamente as contradições do capitalismo e seus abismos sociais. Alimentos que poderiam retirar milhões de pessoas da fome são utilizados para alimentar gado.

Gado que é consumido em excesso e, segundo muitas visões, sem necessidade fisiológica (diversas pesquisas apontam os benefícios da dieta vegetariana para a saúde).

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