PROJECTO CAMBEÚ
Num dos muitos fins-de-semana que aproveitamos para distanciar-nos da cidade e refugiar-nos na imensidão da natureza (no Norte de Angola), conhecemos um casal extraordinário que dedica-se à proteção de tartarugas marinhas.
O resultado? Uma feliz coincidência.
Jean-Marie Le Corre é francês e Luz Dary Le Corre, colombiana. Ambos vivem há 3 anos no Lobito (Sul de Angola), numa casa em frente à praia.
São expatriados e amantes da natureza.
Quando menos esperavam, depararam-se com um ser maravilhoso: uma tartaruga marinha, a desovar em frente a casa.
A partir daí foi um passo para iniciarem um projeto voltado para a proteção desta espécie animal, uma vez que a caça furtiva das tartarugas é uma prática comum e indiscriminada pelas praias de Angola.
© Jameslee
“ O roubo dos ovos de tartaruga para consumo e para comércio no mercado negro, assim como a sua caça incentivaram-nos a começar a vigiar a nossa praia para proteger as tartarugas dos caçadores que estavam à espera do momento certo”
“Depois observámos que salvar a tartaruga não era o suficiente, já que quando levávamos as tartarugas para o mar, os caçadores voltavam para apanharem os ovos. Para contrariarmos esta situação, começámos a fazer o nosso pequeno centro de proteção caseiro improvisado, chamado “Projeto Cambeú” que é uma das formas de chamar as tartarugas em Umbundu (dialeto local)”, explica Luz à revista Baiga.
© Projeto Cambeú
Início
O primeiro ninho incubado em casa foi um ninho de 110 ovos de tartaruga Oliva resgatado perto da moradia. Quando um caçador foi vender os ovos a Luz e Jean-Marie por alguns tostões, perceberam que tinham que fazer algo. Não só pela tartaruga mãe, mas também pelos ovos que deixava enterrados na areia. Desta primeira experiência, saíram 50 tartarugas bebés que foram levadas ao mar assim que nasceram.
Nessa época, observaram outro problema: a “conexão” incrível de toda a natureza, uma vez que por algum motivo, os predadores terrestres e marítimos das tartarugas sabiam do seu nascimento e espreitavam atentos na areia e no mar.
Como a informação que tinham ainda era limitada para poderem fazer mais, decidiram começar a estudar outros projetos de proteção de tartarugas marinhas no Brasil e basearem-se em pesquisas científicas para entenderem como poderiam proteger melhor esta espécie e aumentar as probabilidades de sobrevivência das tartaruguinhas bebés.
Desta forma criaram um “modelo de proteção”.
© unsplash
“Esclarecemos que não fazemos parte de nenhuma entidade privada, pois a nossa iniciativa tem sido totalmente de carácter pessoal e não temos nenhum lucro com esta iniciativa. Somente a satisfação pessoal de podermos estar a fazer uma ação que, por mais pequena que seja, já ajuda de alguma forma o nosso meio ambiente”
MODELO DE PROTECÇÃO DO PROJETO CAMBEÚ
Antes da sessão de desova
– Engajaram alguns negócios locais como restaurantes e moradores da região para avisarem sobre avistamentos e possíveis ataques de caçadores às tartarugas e evitar o roubo de ovos;
– Criaram um grupo no WhatsApp e uma página no Facebook para informar sobre avistamento de tartarugas ou comércio de ovos e solicitar colaboração;
– Contaram com a colaboração espontânea de vários amigos (muitos expatriados) para a construção de caixas que servem de incubadoras para os ovos.
Durante a sessão de desova
– A tartaruga mãe é assim protegida durante todo o processo de desova até ao seu regresso para o mar;
– Os ovos são recolhidos e colocados em caixas de madeira, construídas propositadamente para servirem de incubadoras;
– Os ovos são mantidos em encubação por um período de 60 dias para a raça Oliva e 74 a 90 dias para a raça de Couro. Durante esse período, as incubadoras são mantidas nas condições ideais para a proteção dos ovos, sendo que o sucesso da eclosão irá depender desse processo; Cada ninho é marcado com a data da recolha e o número de ovos para terem dados precisos e analisarem as taxas de eclosão.
© Projeto Cambeú
Durante a sessão de eclosão
Quando as bebés tartarugas nascem, passam por um processo de “adaptação” de 24h, onde caminham por uma “praia artificial” para ganharem força nas patas. Depois são mantidas algumas horas na piscina enchida com água do mar e, finalmente, são libertadas no mar, nas horas mais adequadas para se evitar os predadores terrestres e marinhos.
Durante toda temporada, o projeto recebe inúmeras visitas de escolas que levam as suas crianças para aprenderem um pouco mais sobre as tartarugas, assim como a comunidade local está completamente envolvida e engajada no projeto com vontade de ajudar e saber mais sobre este animal em perigo.
Libertação das tartarugas bebés
Esta é a parte mais divertida do processo. Após recolherem informações sobre o mar (através de aplicativos especializados) e observação da atividade dos peixes por parte de amigos pescadores, libertam as tartarugas bebés nos horários onde têm o menor número de predadores possíveis, segundo as informações levantadas.
As tartarugas são levadas em grupos e libertadas na areia para que façam a sua entrada tranquila no mar e comecem a sua viagem.
O projeto Cambeú já recebeu a atenção de algumas instituições do governo angolano, nomeadamente a visita por parte da Capitania dos Portos do Lobito que aprovou a iniciativa dando o apoio total e permitindo inclusive, a confecção de um cartaz sobre a proibição da caça às tartarugas e roubo de ovos, uma vez que é considerado crime ambiental na lei Angolana.
Por outro lado, também receberam assessoria técnica e divulgação numa comunidade científica no Canadá: organização Amphibia-Nature dedicada ao estudo científico da fauna marinha, especialmente de répteis e tartarugas marinhas.
Dados
Ano | Número de ovos/ninhos encubados | Número de tartarugas bebés libertadas no mar |
Sessão 2016-2017 | 1 ninho de 110 ovos de tartaruga Oliva | 50 tartarugas bebés libertadas no mar |
Sessão 2017-2018 | 3 ninhos num total de 430 ovos de tartaruga Oliva | 306 tartarugas bebés libertadas no mar |
Sessão 2018-2019 | 14 ninhos – 1.600 ovos no total
1.370 ovos de tartaruga Oliva 230 ovos de tartaruga de couro |
1.015 tartarugas bebés libertadas no mar
895 tartarugas Oliva 120 tartarugas Couro |
© tavi
Próximos passos
O projeto tem chamado a atenção não só de organismos governamentais e ambientais, mas também de empresas privadas. Atualmente estão em negociações com possíveis patrocinadores para a extensão do projeto Cambeú numa área total de 8km de praia (praias da Restinga e do Compão) para o período 2019-2020.
Luz e Jean-Marie pretendem ampliar o alcance da iniciativa, cobrindo todas as praias da Província de Benguela, no futuro.
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