COMO ESTÃO A DESFLORESTAÇÃO, A DESERTIFICAÇÃO, A SECA, A FOME E A POBREZA INTERLIGADAS EM ANGOLA?

AA desertificação é o fenómeno de degradação ambiental que ocorre no solo devido à perda de vegetação e diminuição da humidade, afectando na sua maioria solos arenosos, localizados normalmente em regiões de clima seco, árido e semiárido. Por norma, as áreas que já apresentam escassez de humidade, quando submetidas a determinados factores naturais ou antrópicos (actividades humanas) transformam-se em áreas desertificadas.

O processo de desertificação é um problema existente em todo mundo e apresenta graves consequências para os ecossistemas e populações que neles habitam. Apesar de ser um processo que ocorre no planeta há milhares de anos, o conceito de desertificação começou a ganhar mais atenção no início dos anos 70, numa tentativa de perceber um longo período de anos com seca, na região do Sahel africano, que resultou em vários problemas sociais, económicos e ambientais como perda de solos para agricultura, perda de vegetação, perda de gado e perda de reservas de água existentes.



A dimensão do problema levou ao reconhecimento a nível mundial do aumento do risco de desertificação e aos 17 de Junho de 1994, as Nações Unidas lançaram uma convenção com o objectivo de combater a desertificação em todas as regiões do mundo, principalmente em África, a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.

Esta Convenção teve um papel fundamental no processo de luta contra a desertificação em todo mundo, pois levou muitos países a começarem a dar maior importância aos problemas ambientais em geral, mostrando ainda que os recorrentes problemas de pobreza e fome estão interligados ao descuido com o ambiente, e precisavam urgentemente de mais atenção.

Segundo dados da Convenção das Nações Unidas para o combate à desertificação, actualmente, a desertificação afecta 168 países em todo o mundo sendo o continente africano o mais afectado. Países como, Angola, África do Sul, Botswana, Lesoto, Malawi, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabwe, Mali, Senegal, Níger, Chade, Mauritânia, Burkina Fasso, Gâmbia e Camarões, são os mais preocupantes por causa do agravamento da desertificação, fazendo com que problema da desertificação em África seja extremamente grave.


© ONU Angola/Manuel Eduardo.
A população do Nehone, no município da Cuanhama, no Cunene, recorre aos tanques de água de cinco mil litros que são abastecidos por camiões-cisterna.

Causas da desertificação

A maior preocupação dos ambientalistas é em relação à desertificação provocada pela acção humana, que provoca impactos de maiores dimensões nas áreas já propensas à aridez do solo. A acção antrópica sobre áreas vulneráveis tem provocado expressiva redução da vegetação e da capacidade produtiva dos solos. Desta forma, podem ser indicadas as seguintes causas da desertificação:

  • Desflorestação
  • Pastoreio intensivo
  • Práticas agrícolas incorrectas
  • Falta de preparação do solo
  • Métodos errados de irrigação e fertilização
  • Extracção mineira excessiva
  • Ocupação humana com actividades que causem impermeabilização dos solos, como infra-estruturas e urbanização
  • Alterações climáticas
Consequências da desertificação

O processo de desertificação é pouco perceptível a curto prazo pelas populações locais. O que acontece é  que o solo fica cada vez mais infértil, perde os seus nutrientes e a capacidade de produzir qualquer tipo de vegetação, sejam florestas naturais ou plantações feitas pelo homem, pois o solo tende a ficar árido e sem vida, o que dificulta a sobrevivência das espécies, obrigando agricultores a abandonarem essas terras e procurarem outro lugar para viver.

Consequências ambientais

  • Erosão dos solos, que se dá pela redução da cobertura vegetal devido ao aumento da exposição directa ao vento e ao sol, que resulta na diminuição da capacidade de armazenamento de água dos solos. Vale ressaltar que a erosão é o passo que fecha o ciclo de deterioração do solo, tornando quase impossível que haja a reversão da desertificação nesse estágio;
  • Aumento dos desastres naturais, tendo em conta que eventos como inundações, tempestades de poeira e poluição, se tornam mais fortes e frequentes em áreas com solos altamente degradados e desprotegidos;
  • Poluição das águas, uma vez que a vegetação desempenha um papel importante na limpeza da água. Plantas e árvores funcionam como filtros naturais, armazenando poluentes como metais pesados da água em seus próprios corpos. Os solos desertificados precisam desse “filtro verde” e com a ausência do mesmo, mais substâncias nocivas têm facilidade de atingir os aquíferos;
  • Diminuição da disponibilidade de água doce,pois sem vegetação o ciclo hidrológico regional é consequentemente alterado;
  • Diminuição da biodiversidade, o local deixa de ser propenso a vida, causando a migração de espécies para locais em que podem encontrar melhores condições de vida e também causando a extinção de inúmeras espécies durante o processo.

A desertificação aumenta a escassez de água num momento em que 2.000 milhões de pessoas no mundo ainda não têm acesso à água potável e mais de 3.000 milhões podem enfrentar uma situação semelhante até 2050.

Consequências sócio-económicas

  • Redução das terras para agricultura e consequente diminuição da produção de alimentos;
  • Aumento da fome e da pobreza pela perda de terras produtivas;
  • Intensificação de processos migratórios, pois sem solos para a agricultura, a população das regiões desertificadas têm que migrar para sobreviver.


A desflorestação e a desertificação

A desflorestação consiste na remoção de cobertura vegetal da superfície terrestre e está directamente ligada ao processo de desertificação. A vegetação, além de ter um papel fundamental na manutenção do ciclo da água, a cobertura vegetal protege o solo dos impactos das chuvas e ventos, aumenta a sua porosidade e a permeabilidade, reduz o escoamento superficial, mantém a humidade e a fertilidade (promovendo a presença de matéria orgânica) e influencia a existência de recursos hídricos subterrâneos.

A desflorestação afecta drasticamente a saúde dos solos, levando à sua degradação pela perda de nutrientes ou alteração da sua composição física e química, dando lugar à pouca produtividade e por fim à desertificação. Entre as formas de degradação dos solos, citam-se:

  • Salinização, processo que consiste no aumento de sais minerais a ponto de afectar a produtividade, resultante de métodos de irrigação incorrectos;
  • Poluição ou contaminação, consiste na alteração da composição química dos solos, resultante do uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes;
  • Laterização, que é a acumulação de hidróxidos de ferro e alumínio, resultante das queimadas e outras formas de desmatamento.

Situação actual de Angola, conforme imagem satélite da Vigilância Florestal Global (Global Forest Watch), Julho de 2020. As áreas em rosa são as áreas com alertas de perda de cobertura vegetal.

Informação actualizada sobre a desflorestação mundialmente

Situação actual de Angola, conforme imagem satélite da Vigilância Florestal Global (Global Forest Watch), Julho de 2020. As áreas em amarelo e vermelho são as áreas com alertas de perda significante de floresta primária a nível nacional.

Informação actualizada sobre a desflorestação mundialmente
A desertificação em Angola

Cerca de 31% do território angolano é susceptível à desertificação, principalmente as regiões de clima semiárido e sub-húmido, localizadas ao longo da orla costeira, zonas de exploração mineira e áreas de elevada exploração da cobertura florestal e de grande concentração de efectivos pecuários.

De Acordo com a ONU, actualmente as províncias mais afectadas pelo processo de desertificação em Angola são as províncias localizadas no sul do país, como Cuando Cubango, Namibe, Huíla, Bié e principalmente Cunene. Só no ano passado, o processo de desertificação e seca nestas províncias afectou cerca de 280.867 famílias, o correspondente a 1.340,781 cidadãos, num cenário que provocou, igualmente, a morte de 10.982 cabeças de gado e a destruição de 52.119 campos agrícolas.

É estimado que 2,3 milhões de pessoas não estão em condições de satisfazer as suas necessidades nutricionais nas quatro províncias mais afectadas, sendo que cerca de 490 mil são crianças com menos de cinco anos. O Fundo de Emergência (CERF) apoiará também a saúde e protecção de cerca de 37 mil mulheres grávidas.

Existem vários factores responsáveis pela severidade da desertificação em Angola, incluindo, condições geoclimáticas, desmatamento, práticas agrícolas inadequadas e alterações climáticas.

As chuvas na província do Cunene são irregulares e escassas, o que tem gerado consequências diversas, possivelmente aumentando a temperatura local, à diminuição da disponibilidade de reservas de água na região, o que tem estado a afectar a população local e o seus meios de subsistência. Como consequência a população está exposta a uma série de doenças, incluindo riscos de desnutrição.

No Cunene, a desertificação aparenta ser um processo cíclico e pode estar a ser influenciada também pela proximidade da mesma província ao deserto do Namibe e ao deserto de Kalahar, República da Namíbia. Os registos de seca começaram por volta de 1995, tendo estado a apresentar um grau de intensidade maior nos três últimos anos. No entanto, medidas estão a ser adoptadas para prestar ajuda através da distribuição de alimentos e água, abertura de poços de água e distribuição de sementes.

É importante realçar que a maioria das províncias que hoje apresentam estes fenómenos, também são províncias com elevado índice de queimadas no passado e algumas ainda no presente.

Projectos de combate à desertificação e às secas em Angola

Várias organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas, estão a implementar o Fundo Central de Resposta a Situações de Emergência (CERF, na sigla em inglês) investindo 6,4 milhões de dólares para o auxílio da criação de formas de mitigação da seca em Angola.

A UNICEF, FAO, UNFPA e OMS também têm contribuído para mitigar a seca e os seus impactos e concentram-se em promover a sustentabilidade para a adaptação da população às condições ambientais associadas à seca, envolvendo planos integrados que incluem estratégias relacionadas a água como a ligação de grandes rios através da abertura de canais e barragens de retenção para preservar a água, agricultura, adaptação ambiental, previsão climática, redução de riscos de desastres, educação, saúde, entre outros.

Temos ainda o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD), que em parceria com o Governo angolano desenvolveu o Projecto FRESAN,que tem como objectivo contribuir para a redução da fome, pobreza e vulnerabilidade à insegurança alimentar e nutricional através do fortalecimento sustentável da agricultura familiar, nas províncias do sul de Angola.

Deu-se início também no passado ano, à construção do sistema de transferência de água do Rio Cunene, que tem como foco a construção de uma central de captação de água através de um sistema de bombagem e de conduta. O projecto inclui ainda a construção das barragens de Caculuve e Ndúe e contará também com uma estação de bombagem de dois mil metros cúbicos por segundo, uma conduta de 57 quilómetros e 30 chimpacas (reservatório tradicional de água nas zonas rurais), com o objectivo de aprovisionar água para ser canalizada a áreas sem este recurso.

Além deste projecto, o Ministério de Energia e Águas junto ao Gabinete de Gestão do Programa Espacial (GGPEN) e o Ministério das Telecomunicações, lançou o projecto de quantificação da problemática da seca no Sul de Angola. O projecto tem o objectivo de demonstrar a implementação de um protótipo como sistema de exploração de dados de satélite para a gestão hídrica e monitoramento da seca, com a determinação da taxa de ocupação do solo, identificação das fontes hídricas superficiais, determinação da densidade populacional, análises de históricos das precipitações das regiões e do índice de vegetação e também de actuar na prevenção e monitorização das secas para facilitar a compreensão do problema da seca, facilitando a criação de soluções.

Apesar de existirem projectos bem financiados em Angola, nota-se que ainda existe uma grande dificuldade na implementação de tais projectos e na transparência dos seus resultados, pois ano após ano a situação da desflorestação, da desertificação e da seca tem piorado a nível nacional, e consequentemente, cada vez mais angolanos têm sofrido com as consequências destes fenómenos. É necessário que hajam estratégias e medidas mais profundas a curto, médio e longo prazo, para que enquanto estivermos a reduzir os impactos destes fenómenos estejamos também a combater a desflorestação, a desertificação e a seca em Angola, através de práticas mais ecológicas e sustentáveis, desta forma reduzindo a fome e a pobreza a longo prazo.


Autores: Tamara Nascimento, Divanda Mateus e Erica Tavares
Colaboradoras voluntárias da EcoAngola.

Tamara Nascimento é licenciada em Ambiente e Gestão de Território pela Universidade Metodista de Angola.

Divanda Mateus é licenciada em Engenharia dos Recursos Naturais e Ambiente na Universidade Independente de Angola.

Erica Tavares é licenciada em Biologia Ambiental pela Universidade de Nottingham.


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